quinta-feira, 12 de março de 2009

Boa vontade e política - Leonardo Boff

Immanuel Kant (1724-1804), o mais rigoroso pensador da ética no Ocidente moderno, fez uma afirmação de grandes conseqüências, em sua Fundamentação para uma metafísica dos costumes (1785): ''Não é possível pensar algo que, em qualquer lugar no mundo e mesmo fora dele, possa ser tido irrestritamente como bom senão a boa vontade (der gute Wille)''. Traduzindo seu difícil linguajar: a boa vontade é o único bem que é somente bom e ao qual não cabe nenhuma restrição. A boa vontade ou é só boa ou não é. Há aqui uma verdade com graves conseqüências: se a boa vontade não for a atitude prévia a tudo que pensarmos e fizermos, será impossível criar-se uma base comum a todos. Se malicio tudo, se tudo coloco sob suspeita e se não confio mais em ninguém, então será impossível construir algo que congregue a todos. Dito positivamente: só contando com a boa vontade de todos posso construir algo bom para todos. Em momentos de crise é a boa vontade o fator principal de união de todos para uma resposta que supere a crise.

Estas reflexões valem tanto para o mundo globalizado quanto para o Brasil atual. Se não houver boa vontade da grande maioria da humanidade, não vamos encontrar uma saída para a desesperadora crise social que dilacera as sociedades periféricas nem uma solução para o alarme ecológico que põe em risco o sistema Terra. No Brasil, se não contarmos com a boa vontade da grande maioria dos cidadãos, não há nada, nem governo nem a liderança carismática do presidente Lula, que seja capaz de forjar uma alternativa esperançadora para o problema Brasil.

A boa vontade é a última tábua de salvação que nos resta. A situação mundial é uma calamidade. Vivemos em permanente estado de guerra civil mundial. Não há ninguém - nem as duas Santidades, o Papa e o Dalai Lama, nem as elites intelectuais mundiais nem a tecnociência - que forneça uma chave de encaminhamento global. Abstraindo os esotéricos, que esperam soluções extraterrestres, na verdade dependemos unicamente de nós mesmos.

O Brasil reproduz, em miniatura, a dramaticidade mundial. A chaga social produzida em 500 anos de descaso com a coisa do povo significa uma sangria desatada. Nossas elites nunca pensaram uma solução para o Brasil como um todo, mas somente para si. Estão mais empenhadas em defender seus privilégios do que em garantir direitos para todos. Por isso, mal escondem o esforço de emparedar o presidente Lula para que assuma a agenda que lhes interessa e de desmoralizar a política social do governo. Contrariamente ao povo brasileiro, que sempre mostrou imensa boa vontade, as elites se negam a saldar a hipoteca de boa vontade que devem ao país.

O presidente Lula tem repetido e nisso o apoiamos: se não houver boa vontade e colaboração de todos, não será seu governo, mesmo em caso de reeleição, que equacionará o problema Brasil. A auto-estima é um apelo à boa vontade.

Se a boa vontade é assim tão decisiva, então urge suscitá-la em todos. Em momento de risco, no caso de um Titanic afundando, todos, até os exploradores, podem ajudar com sua boa vontade. No caso do Brasil: os cidadãos não devem ser lidos apenas no código dos interesses em conflito. Mas na sua capacidade de mostrar boa vontade. Em todos vigora esse capital inestimável. Se cada um, de fato, quisesse que o Brasil desse certo, com a boa vontade de todos, ele daria certo.

Leonardo Boff

Fonte: www.jbonline.com.br - http://www.cuidardoser.com.br/boa-vontade-e-politica.htm

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