A evidência
Pode-se discutir os métodos do MST, mas sem perder de vista o que eles enfrentam.
Luis Fernando Verissimo
É fácil ter opiniões firmes sobre, por exemplo, o câncer (contra) e o leite materno (a favor). Já outros assuntos nos negam o conforto de pertencer a uma unanimidade, ou mesmo a uma maioria. São assuntos em que os argumentos contra e a favor se equilibram e sobre os quais a gente pode ter opiniões, mas elas estão longe de ser firmes.
Até opiniões que você julgaria indiscutíveis – exemplo: nada justifica a tortura – são controvertidas, e basta ler as seções de cartas dos jornais para ver como a pena de morte, oficial ou extraoficial, tem entusiastas entre nós. Em assuntos como aborto, cotas raciais nas universidades etc., coisas como a religião, a formação, a ideologia e até o saldo bancário de cada um determinam as opiniões divergentes. E não vamos nem falar nos extremos opostos de opinião provocados por qualquer avaliação do governo Lula.
Mas há um assunto sobre o qual você talvez ingenuamente imaginasse que nenhuma discordância seria possível. A brutal evidência – geográfica, cartográfica, literalmente na cara, portanto independente de interpretação e opinião – da iniquidade fundiária no Brasil, um continente de terra com poucos donos, era tamanha que durante muito tempo uma genérica “reforma agrária” constou do programa de todos os partidos, mesmo os dos poucos donos da terra. Era uma espécie de reconhecimento da injustiça inegável que desobrigava-os de fazer qualquer coisa a respeito, retórica em vez de reforma.
O aparecimento do Movimento dos Sem Terra acrescentou um novo elemento a essa paisagem de descaso histórico: os próprios despossuídos em pessoas, organizados, reivindicando, enfatizando e até teatralizando a iniquidade, para contestar a hipocrisia. A evidência insofismável transformada em drama humano.
Pode-se discutir os métodos do MST, e até que ponto as invasões e a violência não dão razão à reação e não desvirtuam o ideal, além de agravar a truculência do outro lado. Mas sem perder de vista o que eles enfrentam: não só a injustiça que perdura, apesar de programas governamentais bem-intencionados e de alguns avanços, como um Congresso recheado de grandes proprietários rurais, o poder político e financeiro dos agrobusiness e uma grande imprensa que destaca a violência mas sempre ignorou a existência de acampamentos do MST que funcionam e produzem – inclusive exemplos de cidadania e solidariedade. É a minha opinião.
Fonte: Jornal “Zero Hora” nº. 15937, 13/4/2009.